sexta-feira, 4 de novembro de 2011

O nome das rosas: anônimos a favor do relógio

Saio do trabalho meia hora antes, como de praxe quando vou viajar no
horário das 20:40. No caminho para o metrô, uma simpática moça, suponho
que de meia idade, pergunta se estou indo para a estação. Com os minutos
contados, uma rápida insistência para que eu fosse à Igreja dela, que
devia se chamar Falamansa: pra cego ver, pra surdo ouvir. Prestando
atenção a passos largos, minha única certeza é que eu iria ao Paraíso,
fazer a infernal baldeação para a linha Azul, rumo a São Judas. Mas o
processo demorou algum tempo a mais que o mentalmente rabiscado, porque
a funcionária afirmava que os 2 ou 3 trens que chegavam pareciam
sardinhas enlatadas. Por sorte eu não estava com fome, e sim com pressa.
Desço em São Judas e outro simpático funcionário me conduz até a saída
indicada. Penso em olhar o relógio, mas me deixo levar pelo fluxo.
Alguns metros e ouço: "medalhinha de São Judas é um real!", "olha a
água, gelada, gelaáda"! Desvio um poste, faço coceira num orelhão, um
anãozinho dispara na diagonal. Dali pra frente eu lembrava que os
obstáculos aumentariam em medida igualmente proporcional ao número de
pessoas, mas ela apareceu, perguntou para onde eu ia e, por sorte, nosso
destino era o mesmo ônibus. Eu ensaiava uma respiração mais longa quando
ela me diz que a rua estava fechada, se mostrando também bastante
surpresa. A placa no ponto indicava a nova parada e a alteração de
itinerário, explicado pelo gente boa da lanchonete. Não foram nem 10
minutos de caminhada e a conversa animada novamente me fez esquecer da
máquina engolidora de segundos geralmente presa ao pulso. Chegamos na
parada junto com o ônibus, o trânsito parecia livre, leve e solto. Ela
desembarcou primeiro. Vi as horas no celular, ainda estava no tempo
regulamentar. Abro o facebook, a procuro, leio outras bobagens, divago
como teria sido difícil achar a nova parada sem ela
e, de repente, lembro de perguntar ao motorista se está longe do ponto
do aeroporto. Minha calma imediatamente foi esquecida diante da fala do
condutor: "Aeroporto? Já passou faz uns 3 pontos, meu jovem, você devia
ter me avizado antes"! Aí foram conversas geográficas, como qual o ponto
mais próximo pra eu pegar outro voltando. Minhas costas ficavam cada vez
mais molhadas quando o homem dizia coisas do tipo: "Chi, é muito
difícil, você vai ter que atravessar ali e entrar na outra rua lá".
Chegamos a conclusão de que seria mais fácil descer no corredor da av.
Santo Amaro, onde pegaria outro no mesmo canteiro. Só que o trânsito não
colaborava, então desci um ponto antes e segui no tal corredor em
direção à Ver. José Diniz. Difícil era saber se a esquerda ficava pra
direita ou vice-versa ao desembarcar já pela esquerda do busão e com o
pensamento no relógio. Já em terra firme e com o mínimo de lateralidade
restabelecida, pergunto para o primeiro que aparece para qual lado fica
o semáforo mais próximo. Nessa altura esqueci da minha fobia de
corredores, onde uma deslisada mínima para qualquer um dos lados parece
te por na mesma passagem por onde voam os coletivos, cuspindo barulho e
fumaça. Pouco depois o que bem me recordo foi um senhor perguntando onde
eu queria chegar, dizendo um "já volto" para a filha e, carregando uma
pesada sacola de doces, me fez companhia até a parada do novo ônibus.
Comprei uma pipoca doce, que minha mãe é fã, e ele insistiu em me
devolver o troco. No ponto outro passageiro que pegaria também o São
Judas, mas parecia não ter pressa alguma. Nessas horas puxo papo para
evitar falar com o relógio. Minhas costas ainda encharcadas de suor, não
resisti e vi que faltava pouco menos de 15 minutos para o horário máximo
de tolerância para o embarque. Indaguei se naquela rua, onde quase não
passavam sequer carros (nem sinal do bendito busão),
havia algum ponto de táxi próximo. Ele disse que sim e, com a força do
pensamento, eis que surge um carro com letreiro no teto (na verdade
nunca parei pra pensar se o tal letreiro fica em cima mesmo). E, com a
ajuda de tantos anônimos, cheguei em Curitiba. Nos últimos tempos alguns
desses anônimos viram contatos no Facebook, gerando a expectativa de um
segundo encontro, acidental ou não. Mas a verdade é que, ainda que eu
nunca mais os veja, cruzam o meu "jardim da vida" e dão mais graça e agilidade:
estão na próxima esquina, nos labirintos dos shoppings, na fila do
teatro, na rota apressada para o trabalho ou na calada da noite.
Exemplos não me faltam, mas esse foi o que fechou o mês de outubro. Já
novamente em Sampa, embora o frio de 12 graus me faça crer que ainda
estou na fria terra das araucárias.

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