quarta-feira, 27 de julho de 2011

Cachoeira do Escorrega

http://www.youtube.com/watch?v=nSGoxRpCqME">
Assista ao vídeo
Essa semana foi meio atípica por aqui, com férias de 3 dias e uma saudável
bagunça aqui em casa. Então, depois de um final de semana de reencontro com
grandes amigos (alguns deles fizeram parte da viagem que descrevo abaixo)
 e uma bela escorregada na rotina, resolvi compartilhar esse texto, vivido e
escrito em novembro de 2009.
Saudades da água correndo e a gente quase parando, por ser mais gelada que a
cerveja tomada no restaurante do Cezar! Descrever o escorrega é algo que tô
tentando desde o fim da tarde. Poderia dizer que foi fechar os olhos e cair na
água gelada, ou então que a iluminação da tela me desconsentra, mas agora estou
com o monitor desligado e nenhum pensamento minimamente lógico e cordenado
invade a mente. 5ª tentativa: Depois da descoberta da história da enchente de
66, fiquei ansioso pelo domingo, hipoteticamente o dia rabiscado no roteiro para
a visita à Cachoeira do Escorrega. Seria uma pedra gigante e lisa, de onde
brotaria um aguaceiro capaz de me levar para baixo na velocidade do som, ou de
um pensamento engasgado? Sendo algo natural, e portanto não planejado, seria a
declividade muito acentuada, com intermitências, vales, crateras, desvios ou
outros acidentes de percurso? Dada a força da água, ter os olhos apenas como
buraco capaz de diferir a presença ou ausência de luz faria alguma diferença
significativa em uma eventual tentativa de mudança de rota? Tentei comparar com
qualquer outra situação de fortes emoções, como tirolesa em Bento Gonçalves, o
mar de gente no show da Maria Rita na virada cultural, os carros enfurecendo os
motores antes de eu chegar em algum meio-fio. Mas tudo aquilo era construção
humana, de certa forma planejada. Envolto nessa nuvem de pensamentos,
comparações e questionamentos, meu coração acelerava querendo dizer sim (ou, já
que a moda é copiar, "Yes, we can"). Eu tinha assumido o risco, mas se algo
acontecesse de nada adiantaria sem ter exteriorizado. A Dani e o Nei analisavam,
me contavam da posição das pessoas que desciam, tentavam me descrever o
percurso, o que me deixava com uma vontade ainda maior de partilhar da mesma
emoção.
Alguns meses atrás alguém comentou comigo que existia um restaurante maravilhoso
perto de meu trabalho, mas que eu não poderia ir lá porque havia uma grande
escadaria na entrada. Naquele domingo o Nei foi me conduzindo pela trilha
íngreme, com escadas de raízes, pedras com um bocado de limo e terra seca - as
vezes pelo braço, as vezes num trenzinho composto de apenas 2 vagões. A
composição pensou em rumar para trás quando eu percebi que a subida era maior do
que eu pensava, mas o maquinista pulsante do peito mandou prosseguir. Em fim
começamos a descer, e eu com um puta medo de que logo escorregasse em pé mesmo.
Na hora e lugar certos o Nei falou para eu sentar, com as mãos para trás (seria
o assalto das águas). Me rendi, dei um impulso e logo meu traseiro roçava a
pedra cada vez mais molhada. Peguei velocidade e logo empaquei em um lugar um
pouco mais reto, ralando muito de leve parte do calcanhar e do cotovelo. E se eu
empacasse no meio da pedra, que direção seguir? Seria algo improvável, pois o
curso natural das coisas é te levar por onde há mais água. Novo impulso e,
quando fui me dar conta, já estava no poço de água gelada, embora parecesse
quente pela adrenalina. Foi tudo muito rápido, mas deu tempo para a foto e
alguns olhares curiosos, espantados, admiradores ou até compreensivos de outros
turistas como nós. Se eu não podia imaginar a cara dos outros, não fazia a
mínima idéia da minha. Não lembro se soltei um "tesão pra caralho", ou outra
frase igualmente elaborada e espontânea, quando um deles me guiou até a parte
onde havia pedras. Quando me dei conta eu já estava respondendo um "vambora" à
pergunta do Nei: topa ir de novo? Subimos a trilha, dessa vez sem escorregar.
Sentei na pedra, deixei os braços no colo, porque percebi que seriam tão úteis
quanto meus olhos arregalados. Num deslise praticamente uniforme as águas me
levaram novamente de encontro ao poço. Senti o vento, o frio na barriga e,
embora a velocidade que peguei fosse maior, a queda foi "leve, livre e solta".
As águas geladas, os braços gentis que me conduziram até as pedras. Dessa vez
não deu nem tempo de dizer nada, só sorri desencanado. E assim é a vida, feita
de pequenos riscos que se juntam pra formar um colorido indecifrável. O que
seria de nós sem nossos medos, vontades e realizações? Valeu Nei, Dani e Sérgio!
**
Abaixo trecho de e-mail enviado pelo Claudinei, com um belo poema sobre o medo:
"Você enfrentou as trilhas e os 30 metros do escorrega da mesma forma que enfrenta a selva de pedra que é Sampa, com um sorriso no rosto e uma piada na ponta da
língua.
Ao ler seu relato, me lembrei (vagamente) de uma poesia que falava sobre o tema, como minha memória não tem capacidade de reter por muito tempo uma poesia, me vali
do Google para achá-la. Segue abaixo:
O medo
Antonio Candido
        "Porque há para todos nós um problema sério...
         Este problema é o do medo."
                   (Antonio Candido, Plataforma de Uma Geração)

Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.
E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
vadeamos.
Somos apenas uns homens
e a natureza traiu-nos.
Há as árvores, as fábricas,
Doenças galopantes, fomes.
Refugiamo-nos no amor,
este célebre sentimento,
e o amor faltou: chovia,
ventava, fazia frio em São Paulo.
Fazia frio em São Paulo...
Nevava.
O medo, com sua capa,
nos dissimula e nos berça.
Fiquei com medo de ti,
meu companheiro moreno,
De nós, de vós: e de tudo.
Estou com medo da honra.
Assim nos criam burgueses,
Nosso caminho: traçado.
Por que morrer em conjunto?
E se todos nós vivêssemos?
Vem, harmonia do medo,
vem, ó terror das estradas,
susto na noite, receio
de águas poluídas. Muletas
do homem só. Ajudai-nos,
lentos poderes do láudano.
Até a canção medrosa
se parte, se transe e cala-se.
Faremos casas de medo,
duros tijolos de medo,
medrosos caules, repuxos,
ruas só de medo e calma.
E com asas de prudência,
com resplendores covardes,
atingiremos o cimo
de nossa cauta subida.
O medo, com sua física,
tanto produz: carcereiros,
edifícios, escritores,
este poema; outras vidas.
Tenhamos o maior pavor,
Os mais velhos compreendem.
O medo cristalizou-os.
Estátuas sábias, adeus.
Adeus: vamos para a frente,
recuando de olhos acesos.
Nossos filhos tão felizes...
Fiéis herdeiros do medo,
eles povoam a cidade.
Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
dançando o baile do medo."

terça-feira, 19 de julho de 2011

Criando coragem

Quem me vê contando piada, as vezes sendo eu mesmo o personagem, tando de copo
cheio ou vazio,
 questionando tudo e correndo ladeira acima com meu cajado não imagina que em
certas situações toma conta de meus 1,65 uma gigante vergonha. Talvez não de
mim, mas da situação. Acontece, por exemplo, no mercado (daí eu ser adepto
incondicional do delivery, como já relatei antes). Farmácias, mercados e
restaurantes são facilmente encontráveis pelo cheiro, barulho de carrinhos,
pratos, maquininhas comedoras de dinheiro (débito, crédito ou outra espécie de
roubo autorizado). Eis que entro no recinto e faço aquela expressão de perdido,
atraindo alguém com uma cara ainda mais de desencontro. Isso pode demorar
segundos ou pequenos múltiplos deles, que parecem uma eternidade. Daí ser paixão
à primeira vista quando a pessoa me olha com firmeza, bate em minha mão com o
cotovelo, diz um simpático boa tarde e já vai direto ao ponto. Escuto vozes,
reais e imaginárias (ao mesmo tempo): será que ele precisa de ajuda? Vou ver com
ele. Será que ele tá sozinho? Será que ele ouve? (se for numa cidade
cosmopolita, acrescente-se o "será que ele fala português?"). Essa pessoa pode
tar acompanhada, aí as perguntas se repetem para a outra: será que ele precisa
de ajuda? Você vai lá perguntar? Sim, e o ouvido abrido vai captando,
processando. As vezes crio coragem e dou um paço à frente, tento abrir um
sorriso, dando a entender que sou um vivente qualquer.
Num passe de mágica, que as vezes requer mais alguns olhares vagos ou palavras
que depois não me recordo, a moça do caixa, a cozinheira, o da balança ou algum
garçom põe a mão no meu ombro e, bandeja em punho, desfila salão a dentro me
descrevendo o buffet. Se for prato pronto é ainda mais fácil. A primeira
aproximação é complicada, mas a segunda já flui quase tão natural que eu almoço
por lá a semana toda, ainda que o preço não seja dos melhores, que fique um
"TIQUINHO" fora de mão (essa lembrando dos queridos mineiros). Na semana
seguinte caio na real que tá na hora de conhecer outros lugares, e quem sabe lá
também ficar conhecido. E isso é fantástico porque, passado o choque inicial,
cria-se uma certa cumplicidade ou aproximação. A moça do restaurante já sabe que
eu não gosto de abobrinha, o caixa do mercado me lembra que não peguei leite. O
motorista do ônibus já sabe que vou descer na ruazinha depois da concessionária,
ainda que eu fique mais de dois meses sem ir a Curitiba. Talvez seja um pouco
chato na hora de comprar preservativos, risos, mas nunca ninguém me
perguntou para quê eu precisava - a menos que eu desse liberdade para
tal. É que às vezes essa proximidade torna-se estranha, principalmente
aos olhos de quem vê de fora. Mas devo admitir que eu mesmo já passei
por alguma dúvida, embora aí talvez eu me feche, tentando corresponder
ao profissionalismo de quem está ali tão somente para auxiliar. Essa
dúvida entre alguém que executa seu trabalho com extrema presteza ou um
eventual algo a mais talvez mereça outro capítulo, embora eu não tenha
grandes histórias para contar sobre. Mas vale lembrar que apenas meu
olho é quase de ferro (a bengala).
nem sempre a primeira impressão é a que fica, nem sempre a última é definitiva.
E nem sempre começo a escrever sobre algo e termino falando dele. O importante é
que, depois de alguns minutos babando no teclado, você já deve tar começando a
sacar como as coisas funcionam por aqui. Então fique à vontade pra comentar,
perguntar.. Foi da curiosidade de amigos ou de tantos braços anônimos que nasceu
esse espaço. Valeu por existirem!

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Apenas um olhar

Existem pessoas que acreditamos na superficialidade cortês, mas ela as vezes se
aprofunda um pouco, de forma unilateral, dando margem a achar que de um algodão
pode mesmo nascer um pé de feijão, ou outro broto qualquer. Falas em um olhar,
enquanto eu me perco absolutamente entre o singular e o plural. Não dá pra sacar
se essa pessoa é só mais uma ilusão, se bem ou mal te faz. Fico pensando nela te
fuzilando num olhar 43, talvez eu nunca saiba como é isso, ou inconscientemente
já tenha feito? Sinto uma espécie de ciúme, mas isso me remete a posse. Acho que
nunca quis te possuir. Te imagino leve, não só pelos braços finos. Um sorriso
questionador, que não acredita em solução e também parece não ver problemas.
Já passa da segunda hora do dia.. Do segundo dia da semana.. Do segundo vaivém
de algum ponteiro.. E em segundos as segundas intenções ficam para lá, sem
segunda chance. "game over", "good look".

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Mercado, uma caixinha de surpresas

Ainda que o sujeito fosse todo dia ao mercado, é impossível decorar a
disposição dos corredores e produtos. No meu caso, preciso de um
funcionário para me orientar nas compras. A maioria deles tem boa
vontade e diz se sentir feliz em poder ajudar, mas as vezes eles podem
demorar a aparecer ou entender coisas que o "ouvido abrido" custa a
acreditar. Imagine que, depois de fazer hora extra em um deles (o nome
não devo falar, embora tenha acabado de dar a dica), digo ao funcionário
que quero ir à seção de comida pronta. Ele me encaminha a outro e diz:
"o rapaz aí quer um prato de comida!"..
Fora compras de emergência, quando a geladeira mais parece loteamento
novo (só tem grade e água..), recorro ao delivery. É uma maravilha
porque posso fazer o carrinho pela internet, e o leitor de telas não te
faz perguntas, fala produtos que você sequer sabia que existiam
(geralmente comestíveis..), compara preços e vai te dando o valor total,
sendo o assalto previsível. Aí é só esperar, no período combinado, a
campainha tocar, o funcionário contar os volumes das caixas e começar a
brincadeira. O que é de geladeira vem em sacolas separadas e, por
estarem gelados, fica fácil saber que lá devem ser entulhados. Alguns
congelados prontos já têm indicações em braille, do tipo "lasanha de
carne, 350g". Quanto aos minutos de aquecimento, o Google, o site do
fabricante, o cheiro e o bom senso geralmente são bons aliados. Já
quanto aos frios, tudo se resolve numa apertada, cheirada, olhadela no
tamanho da bandejinha.. Mas nem sempre funciona.. Já confundi queijo com
peito de peru, ficando em dúvida se não era lombo ou mortadela fatiada -
dúvida que só resolvi relendo pela quinta vez o carrinho de compras e
verificando que esqueci da mortadela, então não era queijo porque era o
de baixo e o peito de peru eu tinha aberto naquele dia em que cheguei em
casa roendo o pé da mesa e sequer tive o trabalho de tentar reconhecer o
que era.
Algo interessante acontece com os enlatados. Às vezes, com algum olho
emprestado, coloco etiquetas em braille para identificar. Mas geralmente
se tem algo melhor para conversar ou fazer que etiquetar, então a coisa
funciona na base da tentativa inversa: se quero comer milho, mentalizo
uma lata de ervilha. Nem sempre funciona, mas dá uma certa emoção,
talvez comparada à de abrir um kinder ovo. E falando em chocolates, se
for bombons já conheço o formato de muitos deles. Então não vá achando
que eu vou ser o tonto e catar aquele último avaí que sobrou na caixa!
Já se a comida tiver congelada e a pressa for grande, meu almoço poderá
ser um peito de frango com carne moída (aí arremato aquele vidro de
pepino achando ser mini-milho, como o avaí e já saio escovando os dentes
andando pela casa, tropeçando nas caixas vazias do mercado que ainda não
desci para o lixo). Antes de partir remexo as gavetas em busca de uma
maçâ desidratada, e por sorte vem uma ruffles. Se eu tivesse apertado um
pouco mais seria farofa de batata, aí era só misturar a maionese, jogar
o tempero de arroz que eu achava ser sopinha em pó.. Quem manda não
cheirar depois de abrir? Tá resolvido que a janta não vai ser em casa..E
ainda tem uma caixa a ser aberta, acho que fica pra amanhã...

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Coisas que o "ouvido abrido" não quer ouvir

10 coisas que um cego, deficiente visual, PORTADOR de necessidades "especiais",
"das vista prejudicada" ou o escambal a4 gostaria de ser surdo e não ouvir:
1O barulho de água na pista ao abrir a janela do quarto (é garantia de passar o
resto do dia com a meia ensopada).
2) - Moço, seu ônibus acabou de passar, esqueci de avisar, só tem você no ponto
e o meu já vem vindo!
3) - Aí ceguinho, cola na minha, na humildade, que tamo indo pro mesmo lado! Se
tivé uma caixinha pra adiantá pra nóis..
4) Oi rapaizinho, seu "cardaço" tá desamarrado!
5) - E você sujou seu "cardaço" na merda que acabou de pisar!
6) Valha-me Deus, minino. Tua mãe deixa você andar assim?
7) - Avenida Ipiranga?? Chi.. Você tá do outro lado, melhor perguntar pra alguém
que eu não sei não.. Não tem ninguém pra ir com você lá? Tá com pressa?
8) - Nossa rapaz, o sinal tá quebrado.. Você precisa mesmo atravessar?
9) - Deus fecha uma janela mas abre uma porta né.. Porque cê não vai lá no
"Brais", na Renascer? Acho que eles dão um jeito até em vc!
10) Correndo ladeira acima pra chegar quase no horário no trampo: - indo passear
né ceguinho.. Olha por onde anda! Mó gata a loiraça que te desviou do poste ali
eem.. (quando na real só pelo tamanho do braço e pela voz dá pra sacar que é "da
melhor idade" e tem corpo de atleta, tal qual o Ronaldo) - ainda que seja bem
verdade que eu adore uma "gordelícia", risos).

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Viagem ao Centro do Rio

No último sábado, 02/07,  fez 3 anos que moro nessa babilônia chamada São Paulo.
Passada a empolgação inicial, em que eu tomava um porre comemorativo a cada dia
2, comecei a bebemorar a data anualmente. Ano passado teve via sacra dos bares
da República, minha "morada inicial", ao Baixo Augusta.
Esse ano pensei em algo diferente, e ele veio em uma madrugada de junho.
Passagem promocional, Congonhas Santos Dumont. A tarifa só tava disponível para
compra até as 6 da manhã, dificilmente encontraria alguém que curtiria o aviso
em horário tão inoportuno.
Alguns meses antes fui ao Rio com amigos aqui de Sp. Alimentei meu banco de
dados fazendo todas as perguntas sobre ruas possíveis. Percebi que não era nada
difícil bengalear pelas quadras da princesinha do mar. Ainda assim, faltava
conhecer a Lapa. Mas "eu comigo mesmo"?
Horas antes de partir boto aviso no Facebook e no Twitter, avisando de minha
chegada. Tenho alguns conhecidos da cegolãndia na cidade, mas se mal consigo
manter contato com alguns amigos daqui, imagine o quanto sou relapso com os de
outras bandas.
Entro num site com a programação da Lapa e o destaque era Teresa Cristina, há
poucas quadras do hotel em que me hospedaria.
Mas eu não sabia se ainda tinha ingresso, ou se éra só couvert. Não precisei me
preocupar com isso, porque ninguém atendia o telefone e o vôo atrasou.
Ademais, eu queria mesmo é ficar na rua, como faço na Augusta - aí dá pra sentir
o clima e não preciso ter vergonha de ser feliz. Não tem ingresso e o garçom não
vai fazer aquela pergunta clássica: tá sozinho??
Tudo bem, ainda não era meia noite e, já sem o peso da mochila nas costas,
decidi partir em busca de uma gelada ali por perto.
Era praticamente uma noite de verão - que alegria usar camiseta em julho. O
mesmo casal que me ajuda a atravessar a primeira esquina me leva até a Gomes
Freire, onde começava a muvuca. Compro uma latinha e fico ali na calçada, de
"ouvidos bem abridos"!
Pedi uma Brahma, porque achei que seria "forrçar" de maixno sotaque mandar ver numa "xkol"!
Não tardou para alguém esbarrar em mim (Rodrigo?), pedir desculpas e o papo
fluiu mais rápido que minha sede.
- Pô merrmão, tu tá tomando Brahma, isso é coisa de paulichta!
- Aí, é merrmo. Devia ter pedido uma Itaipava, aí também não tinha erro..
Valeu Paulete, Xan, Rodrigão e todos os outros cujos nomes minha memória não foi
suficientemente precisa para resgatar, mas estão registradas como um vídeo feito
 de sons, risadas, improvisações e cevadas, numa imagem pra lá de perfeita. Com
a ajuda do Facebook ou do acaso, espero revê-los ben breve!
Não é preciso andar de bondinho ou pisar nos arcos pra entender o que é a Lapa:
uma Augusta com samba, um clima de última sexta-feira do ano.
Propositalmente perco o horário do café. Tomo um banho demorado, ajeito alguns
cacarecos na mochila e parto em direção ao Lapamaki, já com o pedido em mente:
corcovado (salmão com cebolinha). Esse Google realmente é praticamente um olho.
Por ali mesmo pego o 464.
e
Durante o trajeto, novamente de "ouvidos bem abridos", presto atenção na
conversa de um casal, que segue rumo ao Metrô Cantagalo. Dirigindo o "olhar" pra
eles, pergunto se tá longe da Barata Ribeiro.
- Você vai descer onde?
- Acho que perto de vcs, próximo à Cantagalo.
- Beleza merrmão, vamos descer lá também, te aviso..
(que coincidência ou que surpresa, risos)
Nem meia hora depois desembarco em Copacabana. E aí é que percebi que aumentar e
diminuir o número da rua no Google Maps, pra descobrir as transversais,
realmente ajuda, mas nada como um par de olhos - e no Rio eles são ainda mais
atentos.
Na recepção uma simpática moça, do Rio (Grande do Sul), mas com sotaque neutro.
Era a primeira vez em que eu me hospedava em um hostel. Decidi então entrar de
cabeça: escolhi o quarto Maracanã, com 7 beliches. Será que seria fácil achar a
cama? E o banheiro? E à noite, se eu chegasse muito "fora de mim", o quarto
pareceria ter 14 beliches?
Prema, a gaúcha que eu quase chamava de Prenda, foi uma ótima guia. Me descolou
uma cama em baixo, mostrou o locker, o banheiro.
Quando eu liquidava com o último naco de salmão dos dentes me aparece o André,
um portuga aventureiro que também tava sozinho. Foi com ele que fui andando até
Ipanema, onde tomamos "um bucado" de cerveja.
De volta ao hostel ele pergunta ao rapaz da recepção sobre bailes funk - mas não
o indicado na recepção, e sim um "de vrdad". Eu já me contentei com a festa open
bar, que seria no Pub do próprio hostel.
O que eu não imaginava é que, horas mais tarde, entraria lá (no Pub, e não na
Rocinha) na faixa.
Como um X Tudo no pé sujo ao lado, sigo em direção à Atlantica e, no meio do
caminho, um boteco tocando Chico. Paro pra ouvir e uma moça já pergunta se eu
preciso de alguma coisa. Falo que apenas parei pra ouvir a música e já me
convidam a puxar uma cadeira. Talvez pelo nada simpático preço dos imóveis em
Copacabana, residem muitos idosos naquela área - por terem uma vida estabilizada
ou serem imóveis adquiridos a muito tempo, suponho. E eles me parecem tão de bem
com a vida, ouvindo Chico, fumando um cigarro, tomando whisky ou guaraná. Será
que quando eu crescer vou pra lá?
Novamente de volta ao Hostel escovo os dentes e beberico uma latinha de
energético, o quarto quase vazio. Um rapaz de maceió, que mora em Osasco, puxa
papo e descubro que ele aguarda chamada no mesmo concurso em que fui nomeado.
Enquanto isso o batidão rolava solto lá embaixo e o domingo já se avizinhava.
Costumo ser bastante extrovertido, mas nem por isso tenho controle sobre uma
certa timidez que toma conta de mim ao entrar sozinho em alguns lugares como
restaurantes e bares fechados. A rua é um espaço de todos e, se alguém demonstra
alguma preocupação sobrenatural por um "doido das vista prejudicada" estar ali
sem cão e sem nenhum outro vivente, facilmente contorno tal situação falando que
sei onde estou, seguido de algum outro clichê ou piada improvisada. Já num
ambiente tipo boate a locomoção fica totalmente prejudicada, porque os "ouvidos
abridos" só captam a batida. Pessoas se confundem com paredes, as conversas são
sempre em tom de quem te pergunta se vai atravessar a rua lá do outro lado da
avenida (aos berros). E num ambiente tão "hostil" parece ainda mais fora da
realidade terrena que algum cego esteja desacompanhado. Daí minha preferência
pela sarjeta e seus botecos.
Nem por isso deixo de apreciar um som capaz de fazer vibrar o último
fio da meia e me divertir com as conversas empolgadas dos que prometem te
levar pra 1001 lugares, contam casos, vantagens e, conforme avança o horário,
desilusões e pensamentos revolucionários.
Saio pra respirar e, pensando se  toco um foda-se pra minha timidez e vou à
procura da batida quase perfeita
ou arrisco passar a noite zanzando por aí em busca de boa prosa etílica, o
hostes da festa me cumprimenta e, depois de algumas palavras, me diz que eu
seria "vip" (quando talvez tudo o que eu esperava ouvir era um "vê com os teus
camaradas aí e cola aqui"). Aí foi difícil resistir - mais pela gentileza no
convite que pelo
tutu economizado - até por que as vezes o $ só te abre portas se quem tem a
chave se sente seguro para abrí-las.
E assim foi minha segunda noite carioca: bebericando lentamente e, quando a
música era conhecida, botando pra quebrar no tímido estilo robozinho, até
aparecer alguém e ditar as instruções: balança o ombro, assim com a cabeça..
Mais saídas pra respirar e lá fora conheço outros grupos. Contatos no facebook,
histórias, risadas, perguntas.
Não foi difícil achar a cama, sem antes dar aquela demorada escovada de dentes
num banheiro coletivo vazio. Deitei sorrindo, talvez por isso tenha acordado com
a boca levemente seca e faminta, já que minha preguiça e minha timidez
em pedir ajuda para fazer um pão me
fizeram perder o café e partir em busca de águas já conhecidas de outros
carnavais: Galeto do Miguel, na Miguel Lemos.
Durante o trajeto pedi informação pra um rapaz que me ajudou a atravessar a rua.
Ele disse não saber, era paulista e não conhecia muita coisa -  mas dessa vez o Google Maps tinha
razão.
Faço o pedido ao garçom e a moça já pede pra carne vir "à francesa" (já
cortadinha). Na hora de acertar a conta, algo quase engraçado:
- Moço, você tem que ir à esquerda.
- Mas a Djalma Ulrich não é pra cá?
- Você não tá no Othon?
- Não, tô no Hostel!
Falando em Ulrich, de início eu só falava "Rua Djalma...", até descobrir a
pronuncia. É porque no dia anterior eu falei que queria ir na Lavrádio, e aí me
perguntaram se não era a  Lavradiu (é não, Paulete? risos)
Fora o hotel na Lapa, que saí sem saber se era "Rio's Nice" ou "nisse" merrmo.
Barriga cheia, volto para o hostel e fico um tempão conversando com a Prema, a
simpática gaúcha da recepção. Chegava a hora de ela ir embora, a minha também
não demoraria. No Pub agora vazio assisti ao 1º jogo da seleção, foi de dar
sono.
Volto à recepção, escuto inglês, espanhol e carioquês. Logo chega o André, o
purtuga, e vamos ao Mc.
- "queres que met katchup"?
Acho que ele sequer me perguntou isso, mas fiquei com essa frase na cabeça.
Realmente 9000 quilômetros fazem a diferença nesse nosso idioma
transfronteiriço. Melhor ainda foi o "estou cheio de fome".
Gente boa também vc, André!
Sentirei saudades de todos, inclusive dos que não me recordo os nomes (os rostos
então, nem pensar, risos).
Desembarco em Congonhas e o ônibus Perdises não demorou a passar. Desço na
Paulista e, batendo o bastão freneticamente, conheço cada poste, árvore ou
orelhão da ladeira que me leva até em casa. No meio do caminho o sãopaulino dono
de um dos bares da GV me pede pra contar pros corinthianos da mesa aquelas
piadinhas do último  chocolate que o timão deu nos pó de arroz.
Segunda-feira gelada, diz até que garoa. Que os novos forasteiros te possam curtir
numa boa, porque eu já sou quase de casa.
Escrevo no presente, depois no passado, e já penso que num futuro próximo quero
desbravar ainda mais o mosaico daquele calçadão, ou as travessas da rua que corta a
Paulista, entre Frei Caneca e Haddock Lobo.
Sou verde e rosa, sou saracura do Bixiga. Aqui toca Tom Zé, toca Teresa
Cristina. E esse fim de semana que já dura 3 anos tá "mó da ora de maneiro"!

Tô chegando

Seja bem-vindo! Meu nome é Eduardo, sou curitibano e moro em São Paulo desde
julho de 2008. Pretendo contar parte do cotidiano de alguém que não enxerga, mas
procura ver as coisas com os ouvidos bem "abridos". Falarei dos absurdos que se
ouvem nas ruas (daí a grafia assim) e também, é claro, das que soam como músicas
aos nossos ouvidos. Relatarei causos, inverdades e teorias, a título recreativo
e informativo, com algumas pitadas de humor - pra que vc não fique babando no
teclado. Em fim, tamo junto nessa! Espero vocês aqui, com os ouvidos e a cabeça
bem abridos!