domingo, 6 de novembro de 2011

É dia de domingo

Começo de manhã, calçadas ainda carregam resquícios de um fim de noite.
Latinhas, bitucas, vidros quebrados, pedaço de um salto. O cão fareja aqueles
escombros com avidez, late para alguém que batia uma vareta no chão e sai
correndo no farol vermelho. Mas é manhã de domingo, carros andam sem pressa, sem
buzina. Como um cão sem dono o homem de terno preto e tênis All Star entorna o
último gole, coça os bigodes e tenta lembrar onde deixou o seu possante. Uma
página de jornal balança com o vento, mostrando os próximos capítulos da novela
da semana. A moça, toda de branco, segura a página com firmeza, dá uma bocejada
e chinga o motorista, que parou fora do ponto. Fim de plantão, o sono dos justos
começará antes da segunda curva. Na padaria uma boneca bombada pede uma média,
olhando desconfiada para o carro que quebra o silêncio com seu alarme. Pouca
coisa acontece, pouca coisa a apetece na estufa de salgados já quase vazia.
Horas mais tarde casais passeiam de mãos dadas no centro financeiro do país.
Crianças felizes escolhem o brinquedo que virá de brinde no lanche. Com olhar
menos vibrante, a moça de avental lava xícaras em um café, assoviando uma música
talvez ainda não composta. Os dois bonitões do balcão despertam sorrisos, caras
e bocas. Um fala sem pausa para respirar, o outro acaricia o visor do celular.
Na macarronada em família, a tia solteirona conta de suas últimas aventuras em
Amsterdã, mas é interrompida pelo primo mais velho, que se queixa da bateria do
olodum que toca só na cabeça dele. Desejando postergar a ressaca para o próximo
dia útil, coloca mais gelo e enche a boca, fazendo um sonoro gargarejo. O caçula
acha graça, ao contrário da mãe, que faz cara de nojo. Com o copo metade cheio,
ou metade vazio (os engenheiros diriam que o recipiente tem o dobro do tamanho
que deveria ter), sai da mesa ao ouvir o grito de gol ecoando pela vizinhança.
Por essas bandas o consumo de picolés deve ser alto, é um tal de "chuupa" pra lá
e pra cá. A avó larga a agulha e o fio ao olhar para o relógio, é dia de baile.
No outro canal um entediante jogo sem gols. Não é sexta-feira santa, nem um
outro feriado, mas tudo está fechado, diz a música dos Titãs. Mas a trilha
sonora do fim do primeiro dia da semana é a musiquinha daquele já não mais tão
fantástico programa de tv. Acompanhando a tal revista eletrônica, é hora de
arrumar a lancheira, fazer contas, a lista de compras do mercado, espiar os
babados do fim de semana na internet, ligar para a vizinha pra dizer que amanhã
não vai pra academia porque o carro quebrou e a previsão é de chuva. Os
piadistas do futebol diriam que em Curitiba tem até risco de Furacão na segunda.
Namorados se despedem no portão, ele canta "faz de conta que ainda é cedo". Na
noite já passada foi mais criativo: perguntou se ela queria acordar com uma
ligação ou uma cutucada, e assim acabaram passando o dia juntos. E, depois de
descansar sem estar cansado, é hora de rolar na cama e esperar o sono chegar,
descompromissado como esse texto. Começa a contagem regressiva para o próximo
final de semana. Para o pessimista, existem sete segundas-feiras na semana. Para
o otimista, é o dia mais longe da próxima segunda. O sábado ficou ainda mais
para trás, mas não pareceu sobrar como o dia que o sucede. Espremido entre os
dois dias, domingo é a mais perfeita tradução de paradoxo: dia chato, que a
gente não quer que acabe.

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