domingo, 29 de janeiro de 2012

As fotos que eu não vi

As fotos de mim tiradas, as fotos comigo marcadas; as fotos de lugares que
estive, as fotos de paisagens quase intocadas. Guardo fotos de onde aquela
pessoa ia, de uma garrafa vazia, de uma feijoada; são imagens de uma só esquina,
da cidade toda iluminada. São fotos sorrindo, são fotos desfocadas; são fotos em
palavras, são fotos rabiscadas. O retrato tem no fundo uma parede, o retrato se
abre ao mar; subo escadas, abro portas, um retrato a me olhar. Imagens sem
cores, por você descritas; imagens que carregam sabores, amores e sensações.
Imagens que se formaram, sem passar pela retina; são imagens que ficaram,
conservadas em nostalgia. As fotos que não vi são as mesmas que ainda não
esqueci; as fotos que eu não vi, me recordo porque vivi. Faço pose de
fotografia, faço cara de gibi; agradeço de verdade, por ter estado aqui.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

SP458

Fiquei sabendo que desde bebê vim para São Paulo algumas vezes com meus
pais em busca de alguma cirurgia para minha retina. Ainda que o único
resultado tenha sido um diagnóstico, a cidade sempre exerceu algum
facínio sobre mim. Quando eu era criança, meus primeiros contatos com a
"selva de pedras" se deram pelas palavras de algum locutor. Nos dias
chuvosos na praia, enquanto todos jogavam baralho ou liam o jornal
naquela "sonífera ilha", a minha distração era acompanhar, nas ondas
curtas do radinho de pilha, o trânsito e a programação intensas da
metrópole. Talvez naqueles dias eu tenha ouvido falar do Elevado Costa e
Silva (Minhocão) e do Teatro Gazeta mais que da XV de Novembro e do
Teatro Guaíra. Anos mais tarde lá estive de passagem - indo para o
Hopihari com a escola ou para um evento no Rio, e fiquei vidrado na
quantidade de estações de rádio que meu walkman era capaz de sintonizar.
Pregação evangélica, música eletrônica, mpb, sertanejo, noticiário, o
locutor que saudava os trabalhadores que já estavam em pé antes das 6 da
manhã de um sábado qualquer. No caminho para o colégio, eu pedia pra mãe
sintonizar na Jovem Pan, só pra ouvir o "vambora vambora" do Jornal da
Manhã. "são seis e vinte e dois. Repita! São seis e vinte e dois. Na
paulista, quinze graus." E, quando me dou conta, já é o quarto
aniversário de São Paulo que passo na cidade - não como breve visitante,
e sim como morador. Ouvindo Ira ("feliz aniversário, envelheço na
cidade", resolvi escrever esse texto. Sem mais, vambora vambora! São
Paulo, lugar em que se aprende a admirar a beleza do caos. A cidade que
não dorme: pelo barulho, pelas baldeações entre trem, ônibus e metrô
antes e depois do expediente, pelas opções 24h. a metrópole do mundo, do
trabalho e da noite de todos. Tantos são os encontros e desencontros
entre seus quase 11 milhões de habitantes (20 milhões somando-se a
região metropolitana), formando a 4ª maior aglomeração urbana do
planeta. Distribuidos irregularmente em seus 1525km2, ocupam-se viadutos
pichados, praças mijadas, limpas calçadas arborizadas, arranha-céus
neoclássicos, cortiços, sobrados, mansões. A maior parada LGBT e a
segunda maior frota de helicópteros do mundo. Cidade de contrastes: a
Ponte Estaiada, o trabalho escravo no Bom Retiro. Há nem 3km do centro
financeiro do país, o golpe do bilhete premiado ainda rola solto na
Praça da Sé. Quantos quilômetros separam a Estação Tiradentes de Cidade
Tiradentes? Quantos ônibus chegam na Rodoviária do Tietê diariamente?
Quem nunca veio para cá visitar um parente, prestar uma prova, feira ou
congresso? Os que já viram e babaram na tv olhando o pastel do Mercado
Municipal, os que pensam em um dia criar coragem para correr na São
Silvestre. Os bares da Vila Madalena, os modernetes da Augusta, as
boates da Vila Olímpia, os botecos de cada esquina - aqui se ganha, aqui
se gasta. Restaurantes a se perder de vista - na Mooca, no Itaim ou na
Bela vista. Os alagamentos de janeiro e os engarrafamentos do resto do
ano são acompanhados por todo o país - nas telinhas, nos rádios dos
taxistas. A virada cultural, a mostra de cinema, as peças em cartaz que
lembram um festival de 365 dias. Oportunidade, diversidade, megalomania
e vaidade, o que mais define essa cidade? Aqui quem quer se acha, quem
quer se perde. Aqui quem chega não volta, quem parte compara: o chope
bem tirado, a pizza consistente, o metrô que espreme mas não demora a
passar. Ah São Paulo, difícil mesmo é não te gostar. Avesso do avesso,
túmulo do samba? Fique de boa na garoa, legal na marginal - aqui tem
dias de sol, azaração e até carnaval. Sampa é porreta, maneiro, massa ou
trilegal, mas faz parte de nosso povo daqui falar mal. Dizem não caber
num adjetivo qualquer, não ter uma identidade - mas eu não a troco tão
cedo por qualquer outra cidade. Parabéns a todos que fizeram e a nós que
hoje fazemos desse o nosso lugar!

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Chica from Ipanema

Atrasado, mas jamais sonegado, feliz 2012! Há cerca de 6 meses, retornando do
Rio de Janeiro, escrevi um diário de viagem (para mim, praticamente um álbum de
fotos), e surgiu então a 1ª postagem. Passei a virada de ano naquela cidade que,
apesar da chuva, continuava maravilhosa. Dessa vez não trouxe tantas histórias
para contar, mas foram 3 dias também bastante intensos. Um ensaio de sono foi
quebrado antes mesmo de o avião decolar: "bem-vindos a bordo, aqui quem vos fala
é o comandante Pedrada.." Foi tudo muito rápido, quando me dei conta já digitava
alguns torpedos no celular, no 6º andar de um hostel que consegui reservar na
última hora. Feito o reconhecimento de área, facilitando uma localização quando
o gps já se encontrace levemente avariado, parti para a Tijuca para almoçar na
casa de um amigo - o mesmo que passou comigo a virada. Na volta senti como seria
a energia de passar mais uma troca de página de calendário em meio a 2 milhões
de pessoas: "motorista, para não", dizia alguém batucando no vagão lotado do
metrô. Fiquei hospedado a nem 500 metros do Copacabana Palace, onde ficava o
palco principal, e a 120 da estação Cardeal, mas meu mapa mental não era a prova
d'água naquele mar de gente. Pergunta ali, faço o caminho meio que por intuição
(porque até a hora de ir embora não consegui entender a tal da bifurcação que ia
para a Atlântica ou para a Barata Ribeiro). Cheguei já com uma leve garoa, que
só variou de intensidade durante os próximos dias. Gringos se animavam com as
"caipirrinhas", jogando bilhar. Encontrei meu amigo, acompanhado de mais duas
amigas dele, na porta do hostel. Chegamos pouco antes do show do Rappa começar,
mas elas não gostaram da aglomeração e decidiram ficar por ali, onde daria pra
ver legal a queima de fogos. Felizmente, sem eu sequer me manifestar, ele
decidiu seguir um pouco mais, propondo encontrá-las depois do foguetório.
Lembrei de trecho da música Ronda: "desista, essa busca é inútil". Alguns metros
depois de termos nos separado delas, a circulação não era ruim e dava pra ouvir
sem esforço. Rappa botando pra quebrar - músicas conhecidas acompanhadas em um
coro crescente. Conversa com um, com outro e, no fim de 2011, descobri que a
Mulher Melancia canta: "você você você quer..". Quando o meu birigético já não
descia mais, já virado para o mar para esperar os primeiros tiros coloridos,
apareceram uns mineiros muito engraçados e aí, uai, eu quis terminar o ano de
mãos livres. Não esperem descrições maravilhadas dos fogos, porque realmente
fiquei com aquela cara de paisagem, mas realmente fiquei curioso quando a
multidão extasiada aplaudia os tais espirais. Os ânimos se acalmaram, até de
mais, no show do Latino, que não conseguiu empolgar nem quando tocou "Festa no
Ap". Depois daquilo, David Guetta seria no mínimo incrível. E foi! Aquela
energia toda e eu imaginando ainda os tais espirais, botando o robozinho pra
chacoalhar. Já no fim do show a garota de ipanema apareceu na minha frente, numa
esfregada sensacional. Esbocei um "feliz 2012" e quis saber quem era aquela que
dançava ali tão perto, o suficiente pra eu poder enxergá-la com o corpo. Senti o
"boas entradas" em meu bolço, mas eu ainda estava com os reflexos bem apurados -
felizmente não ao ponto de quebrar os dedos que mal chegaram a roçar em um drops
de halls e alguma outra porcaria que habitavam minha bermuda. Fiquei puto, parei
de dançar. Meu amigo disse alguma frase pronta que me fez pensar que enquanto eu
me divertia o mané trabalhava, e provavelmente teria de dividir o lucro com a
garota do Cantagalo. Quando a bateria da Beija-flor subiu ao palco meu ritmo já
era o do show do Latino. Meia hora de argumentação em um inglês de pastelaria
com um italiano e chegamos a um consenso sobre a chave do quarto que faltava:
era melhor deixar a porta encostada e pensar nisso no dia seguinte. Depois de um
banho frio, veio aquela clássica preguiça de dormir. Tomei a saideira no bar do
hostel, arranhando um pouco mais no inglês, no portunhol e até no gesto -
obviamente essa comunicação pra mim só funciona de forma unilateral. Acordei
tarde, fui almoçar num restaurante já por mim bastante conhecido e, advinhem
quem encontrei? Ele, o comandante Pedrada! Depois, como ainda não aprendi a
chegar à Ipanema, caminhando na pista da Atlantica fechada para carros vaguei
por umas 2h entre o Leme e o Arpoador. Delícia sentir aquela garoa na cara, sem
ter que se preocupar com postes, com horário. Certamente 2012 guardará alguns
domingos de caminhada naquele lugar. Já com as pernas cançadas teve seção de
piadas no hostel, conheci o amigo brasileiro do italiano da chave. Se a cidade
da garoa não era mais São Paulo, o jeito era retornar para lá. Dessa vez
certamente não encontraria o fatídico comandante, porque a volta foi de Gol
(grande ônibus lotado). Na plataforma da Estação Trianon a metroviária me
pergunta: tá vindo de onde? E eu, ainda viajando, disse que vinha do Rio. E ela
responde: "não moço, quero saber de que estação você veio!". Já era noite de
segunda, já era o segundo dia do ano. E aí, por alguns segundos, me peguei
pensando: de onde vim, para onde vou? E de onde veio o casal que pretendia fazer
a faxina na virada? Do Vidigal, de Cantagalo, da Mangueira? Quem sabe ele
residisse ali mesmo em Copa, num apertamento com mais 8 colegas, e precisava
acertar as contas com o inquilino, com o passador ou o bicheiro? Alguns dias
depois assisti ao filme "Era uma Vez", que conta a história de um honesto
morador do morro que teve um romance com uma patricinha de Ipanema. Pelo nome do
filme, não é difícil deduzir que não há final feliz. Ouvindo um samba chamado
"Nomes de Favela", percebo que tudo se deforma, se reforma, se transforma. E aí
termino o texto sem formar uma opinião concisa sobre de onde vieram, para onde
vamos, quem verá e quem vencerá. Só sei que 2012 já é, e em breve já era!