quinta-feira, 20 de outubro de 2011

De boca abrida

Pego o celular no criado mudo, acerto o despertador e ele me diz que
terei quase 7 horas para descançar o corpo e a alma. Uma bela
espreguiçada, agradeço mentalmente pelo dia que foi de boas energias,
com tudo o que planejei (e o que não planejei também) dando certo.
Desligo o celular e o fixo (que hoje em dia só tem esse nome, mas pode
passear tranquilamente comigo até o trabalho), pois pretendo realmente
desfrutar dos quase 420 minutos de desconexão. Penso sobre algumas
bobagens quase sérias, aperto o relógio e me dou conta de que alguns
minutos já fazem parte do passado. Apesar de eu não ser o mais pontual
dos terráqueos, tenho uma certa obsessão pelas horas. Por vezes consigo
ter a idéia de quantos minutos se foram, mas o tempo é distorcido pelas
sensações: quando boas, me fazem esquecer dele. Isso chega a ser quase
óbvio, mas estou num estado de raciocínio lento e contínuo, que não me
permite fechar os olhos e embarcar para a próxima página do calendário.
Sim, talvez eu esteja mentindo quando fale em fechar os olhos, mas o que
importa mesmo é o signo das palavras. E signo me remete a horóscopo,
novamente mentiria se eu dissesse que pulo essa parte do jornal. Não me
pauto por ele, mas é legal ler o de ontem, por exemplo, e dar risada da
total falta de sincronicidade ou de sua mais perfeita expressão. Quem
sabe naquela memorável viagem ao Rio constasse algo do tipo "clima nada
propício para viagens, bom para reflexões caseiras ou para descançar o
corpo e alma", ou então o oposto, um "dia bom para novas e passageiras
amizades, autoconfiança e diversão". Diz a lenda que quem sai por último
da redação escreve o horóscopo, e eu não duvido e nem acredito. O que
realmente me intriga é a lua: the dark side of the moon? Pink Floyd e um
bom 12 agora cairiam bem, mas o que ouço é o mais puro silêncio da
madrugada, que a qualquer momento pode ser rasgado por uma freada, uma
sirene, um grito de socorro, um sabiá com megafone ou ecos de um amanhã
que ainda é hoje. Tem gente que consegue continuar um sonho perdido,
como se o acordar fosse apenas o "plin plin" no meio do filme. Sim, quem
sabe um bom filme invocaria aquele soninho que teima em não aparecer,
mas agora meus dedos percorrem o teclado e gostam da brincadeira. Seria
capaz de escrever um filme mudo para cegos (sem audiodescrição), uma
história só de meio (sem pé nem cabeça), ou ainda um longo texto que
seria interrompido ao meio, deixando o leitor mais irritado que eu na
manhã que se avizinha. A privação do sono perturba o meu senso de humor
e o de direção, mas antes eu tivesse vagado como um cão sem dono pela
madrugada ao invés de gastar o lençol nesse rola pra lá e pra cá. Serei
o primeiro leitor da Folha de hoje, que trará em primeira mão as
notícias de ontem? Ou na terceira chamada um portal se abrirá e
acordarei já com o barulinho da máquina de minutos? Então é isso meu
amigo, o tempo não para, mas eu preciso fingir que consegui dominá-lo.
Até a próxima parada!

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