sábado, 24 de setembro de 2011

Primeiro ato: voltando à rotina

Uma peça no site de compras coletivas por menos da metade do preço, bons atores e uma história razoável. Tudo bem que com a carteira de
estudante (já vencida, mas ainda assim bem-vinda), pagaria quase a mesma bagatela, mas num princípio de garoa e friozinho provavelmente meu
lado preguiçoso bateria mais forte se já não tivesse pago. Redobro o cupom, pego alguns trocados, armo meu cajado e sigo em direção ao
teatro. O frentista do posto me adianta a única travecia, que na verdade são 3.
Chegando no shopping, a entrada de lado, com direito a chafariz e flores, sempre me deixa confuso. Mas nada que uma andada em círculo e uma
cara de mais perdido que filho de meretriz em dia dos pais não resolva. Um simpático cidadão me conduz até o elevador - espaços abertos, sem
muitas referências como num shopping, não são lá muito amigáveis para os cumpanheiros das vista prejudicada. O caixote subiu lotado de
pessoas que se dirigiam para o mesmo lugar que eu. Um senhor me leva até a bilheteria, uma mocinha sorridente me dá seu lugar na fila (mesmo
eu tendo insistido que a peça só começaria em meia hora). No balcão troco o cupom pelo ingresso,
e a pergunta é sempre inevitável: é uma entrada só? Não, se a bilheteria fechar até às 21:30 vem comigo!
Elaassegura que aquele lugar que
escolheu seria o melhor. Fiquei tentado a perguntar se a vista era boa, mas a voz quase automática da trocadora de papéis me fez
desistir. Talvez ela risse falando um "kkk", ou "senhor, estou te assegurando que o senhor estará estando em um ótimo local, mais alguma
dúvida?". E então a situação era a seguinte: hainda havia mais de 30 múltiplos de 60 segundos e eu ficaria ali, fingindo olhar para o chão
ou para o teto, simulando procurar algo nos bolsos. Talvez aparecesse uma senhora querendo me dar o acento em algum banco próximo e, mesmo
diante de minha recusa, ela já não estaria mais lá pra ouvir que passei o dia sentado, que eu estava bem assim, que eu também gostava de
teatro e que garoava lá fora. O celular continuava me dizendo as horas em intervalos de tempo cada vez menores. Cada vez que eu o tirava do
bolso e o apertava, imaginava aquele moço fanho que dias atrás perguntou se eu precisava de ajuda pra ligar pra alguém enquanto eu digitada
um tratado via sms.
Me passou pela ante-sala do cérebro tomar um café, e se eu tivesse feito o movimento circular com a bengala armada certamente alguém
perguntaria para onde eu pretendia me dirigir. Mas preferi me ocupar novamente com o celular, agora ouvindo quanto restava de bateria, o
nome das redes sem fio (diz a lenda que quem inventou isso foram os mineiros, daí o nome de "uai-reless").
Ainda me restavam 15 minutos e o zumzumzum de pessoas não me dava a pista de em que direção eu correria lentamente quando a primeira
campainha soasse. A moça do lado falava com vozinha (daquelas que se faz quando se fala com um namorado). O casal sex(agenário) comentava da
última viagem a Aparecida do Norte, enquanto dois adolescentes contavam dos carros de seus progenitores. Nenhum dos assuntos me agradava,
mas eu fazia um esforço para me compenetrar naquele arredor. A primeira campainha demorou a soar, mas foi eu puxar o carro que mãe e filha
se prontificaram a subir comigo a longa escada (segundo elas) com não mais de duas dezenas de elevações. "É bom que a gente fica cansada e
depois senta, não é meu filho"? Seria deselegante e sem propósito discordar. O fato é que, com o rabo acomodado, quando a segunda campainha
soou minha cabeça quis pender para baixo, lembrando da noite mal dormida. Mas o tempo voou e eu não dormi um segundo. E vejamos que tenho
uma facilidade incrível em dar algumas pescadas - confesso que vi lambaris em pleno monólogo da Fernanda Montenegro ano passado. E o
movimento parabólico com aquilo que existe acima do pescoço não significa que o assunto não me chama a atenção o suficiente. É apenas a
manifestação de um corpo exausto, preenchido por uma alma inquieta.
Terminada a apresentação irreal de algo bem real (as relações sentimentais e seus desvios), dei uma leve encostada com meu cotovelo no braço
do cumpanheiro a poltrona ao lado, só pra me sertificar de que realmente ele estava aplaudindo em pé.
Ainda que fosse notável que todos tínhamos gostado, sempre tive medo de ser o único do rebanho a me tornar bípede na hora errada. As mãos
mal esfriaram dos aplausos e o vaivém já era notável. Ameacei seguir o fluxo, mas uma simpática moça de meia idade, que é de Foz do Iguaçu,
mas mora em Santa Catarina e estava a passeio na terra da garoa, foi me contando coisas engraçadas até a saída do shopping. Descemos juntos
meia quadra e aí meu carro de ponteira gasta seguiria para a direita, ela para a esquerda. Eu digeria a encenação toda com a garoa batendo
na cara, uma sensação de leveza tomava conta de mim. É bem verdade que o "orvalho denso" se colocava já na zona cinzenta entre garoa e chuva quando
ouvi o cleck do portão, mas só por hoje eu não ligaria em chegar com um pedaço de Tietê na meia. E cá estou digitando no velho computador
que quis ficar duas semanas sem papo comigo e, na presença do técnico, desembestou a falar sem cerimônia. Pois que venha chuva, que abra um
clarão barulhento rasgando a madrugada. No palco da minha cabeça, volto a ver um sol batendo na janela do quarto. Seja bem-vindo!

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