segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Superassamba

E vem aí mais um carnaval! Ainda faltam mais de 5 meses, mas as batucadas na
Vai-Vai, atual campeã, já fazem parte do início de domingo aqui da Bela Vista
(Bixiga para os mais íntimos). Ontem fui com alguns amigos no ensaio, final do
concurso para escolha do samba-enredo. E, como diz o refrão, "Bixiga é alegria"!
A bateria nota 10 é de arrepiar e é bom de mais sentir a massa toda unida
naquela mesma energia. A música não demora para impregnar a mente e impulsionar
os pés e braços - quando percebo o robozinho já tomou conta de mim. E aí, na
minha falta de inspiração nessas últimas duas semanas agitadas (meu notebook
ainda não sarou da virose que o deixou sem fala) resolvi compartilhar um texto
de um colunista da Folha de S. Paulo que me chama bastante a atenção,
provavelmente porque temos algumas vivências bem afins. Aconteceu algo parecido
da última vez que fui ao ensaio da Vai-Vai. Fiquei do lado de fora, onde minha
locomoção é bem razoável. Vale a pena resgatar de minha primeira postagem que a
orientação em espaços barulhentos fica bem complicada, mas nem sempre nossas
vontades são racionais. O fato é que, passada a fase das perguntas, geralmente
vem os comentários que o Jairo Marques vai dizer muito bem, e depois os
convites, como o "você tem que ir lá em casa pra fulano te conhecer".
 Tem dias que tô super a fim de responder, as vezes até com outra pergunta,
fazer novas amizades e rir um bocado. É muito bom poder mudar um pouco aquela
idéia de que carrego uma cruz maior que a bengala. Mas naquele dia eu só queria
ouvir a música e molhar o bico de vagar. Passada então a fase dos convites, os
dois amigos da zona leste pareciam dispostos a recomeçar as perguntas, depois de
uma rodada de cerveja por eles oferecida. Só que aí a vontade de urinar fez com
que eu entrasse na quadra com um deles e, de quebra, me ajudou a comprar a
camiseta da escola, muito bem usada na noite seguinte no Anhambi. Bom, deixa o
Jairo Marques contar a história, que hoje eu tô chovendo no molhado. Publicado
na Folha de 01/03/11, com o título "com as rodas no samba".
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A cada vez que "atravesso o deserto do Saara" é uma latinha de cerveja que me presenteiam
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DUVIDO QUE ALGUÉM OUÇA mais palavras motivacionais durante o Carnaval do que eu. É gente de todos os lados do salão se esbarrando em mim e dizendo: "Mas que exemplo
de superação! Nessa situação, e tão animado aqui no baile, né?! Olha como ele se diverte, parabéns!".
Nunca entendi por que tentar sacolejar com minhas quatro rodas na avenida ou nas quebradas seja demonstração de "tô podendo". Para mim, curtir a vida é quase obrigação
de quem respira.
É claro que é mais comum as pessoas com deficiência serem retratadas em alas de hospitais de clínicas do que nas de baianas da Sapucaí. Mas daí a achar que o fato
de soltar a franga ao som de sambas de enredos e marchinhas seja algo extraordinário, ainda leva um queijo e uma rapadura.
O problema de festejarem a "superação" do povo cego, surdo ou avariado geral do esqueleto durante o Carnaval é que a gente deixa de se divertir para contar a história
de vida para aqueles mais sensibilizados.
"Sim, foi acidente. Caí do caminhão de mudança." "Não, o cão-guia não samba nem late, nem nada." "Não, não escuto mesmo. Danço de acordo com as vibrações da música."
Mas dá mesmo vontade de chorar pelado no asfalto quente é quando surgem os bêbados ou foliões mais animados -sem jamais a gente ter visto a cara deles- querendo
levar mais alegria para o nosso "alalaô".
No meu caso, eles saem empurrando a cadeira de forma desembestada pelo salão atropelando todo mundo -pânico total de um pierrô cair no meu colo. Sem exceções, fazem
"bibi" para abrir passagem e me deixar "triunfar" de alegria sendo conduzido por um pinguço.
Juro que não sou ranzinza. Acontece que nada deixa um cadeirante mais incomodado do que um estranho tomar as rédeas de seu veículo e ainda querer brincar de cavalinho
de pau. Parafraseando o Chico, "deixe o menino sambar em paz".
Mas há um lado bom da admiração carnavalesca que alguns sentem pelo povo deficiente: é a pinga de graça. A cada vez que "atravesso o deserto do Saara" é uma latinha
de cerveja que me presenteiam, afinal, "não é toda hora que se vê gente assim por aqui".
A dureza, porém, vem depois de ficar com todos os goles que talvez fossem para o santo. Onde descarregar a cervejada que entrou no bucho? Cadê o banheiro acessível
dos clubes, dos camarotes, das barras ondinas, das ladeiras?
Sou totalmente favorável à campanha que o Rio está fazendo para que os foliões não façam "xixo" nas ruas durante os desfiles de blocos. Mas que não se esqueçam
dos banheiros químicos acessíveis para que todo o mundo possa urinar feliz, sem disputar postes e esquininhas com os lulus e sujões.
E boa sorte para os meus coleguinhas mal-acabados que vão encarar a muvuca e as multidões para seguir os trios elétricos de Salvador e outras capitais festeiras.
Imagine a dor no pescoço de tanto ficar olhando para cima para enxergar alguma coisa?
Quem já foi garante que os seguranças dos cordões de isolamento dão aquela "hand" e dá para aproveitar muito bem, como tem de ser para todos. Contudo, é preciso
relaxar porque a chance de fazer amizade forçada é imensa. Sei não, que nossa senhora da vassourinha do frevo e dos abadás do axé os proteja.
jairo.marques@grupofolha.com.br
@assimcomovc
assimcomovoce.folha.blog.uol.com.br

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