segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Chegando em casa

Descendo do busão, vindo da academia ou das cercanias da Augusta, a
passagem pela praça 14 bis é caminho obrigatório. Se venho da zona sul,
contorno quase todo o redondo da praça e, quando a bengala roça a
terceira escada, é hora de botar o braço pra dentro da grade até tocar o
poste e saber que ali é a faixa. No meio do caminho as vezes aparece
algum braço amigo, mas que não consegue entender para onde eu pretendia
ir. De repente, estou perdido entre um posto de gazolina e
outro, dos 3 que existem do lado de lá da avenida. Mas não é raro que a
pessoa, que ia em direção oposta, me ajude nas duas travecias e ainda
peça desculpas por não poder ir além - como posso então cair no senso
comum de que ninguém tá aí pra nada? Algumas vezes, ainda, alguém grita
"pode vir", deixo o ar me respirar e crio coragem: a primeira travecia é
larga e o menor destino entre dois pontos é sempre uma reta - aí bate
aquele medo dessa reta virar uma diagonal. Se isso acontecer, uma
explosão de ssensações toma de assalto a mente e o coração: avanço,
paro, grito, rezo ou dou rizada? Foi só um susto, já passou. É que eu
esperaria o farol abrir para os carros e fechar novamente, mas o "pode
vir" era também um sinal. Só que, como eu não tinha idéia de quanto
tempo faltava para ele abrir, apertei o passo e o que era largo pareceu
mais largo, o que era reto pareceu torto e o que era rápido pareceu
lento. A bengala bate no ritmo da bateria da Vai-Vai, cuja quadra fica
há poucos metros. E quando me dou conta o pé já chuta o meio-fio,
novamente se encaixa no chão e o da frente sobe. Aquela idéia segundo a
qual o tempo que dura um minuto depende de que lado da porta do banheiro
você está aqui também faz sentido. Do posto de gazolina até o prédio são
algumas entradas de garagem. Por intuição, alguma noção de distância e
pelo cutucar da bengala no canteiro, sei que estou em casa. O porteiro
já me conhece: piso na rampinha do prédio e já ouço o estalar do portão.
Pode ser 5 pras 6 de uma manhã de domingo ou emcima da hora do trabalho
- a passos firmes ou trôpegos, mas sempre apressados. Tiro uma fina da
coluna (a percepção que tenho do claro e do escuro é uma fiel
escudeira), esfrego rápido e intensamente os pés no tapete da entrada, o
braço se estica no lugar certo e aperto o botão do elevador. Se ele
demora, aperto mais duas, três, até quatro vezes, como se ele entendesse
que o espero "pra ontem". E ele vem já com algumas pessoas,
provavelmente vindas das garagems, que ficam nos andares abaixo. Minha
mão caminha em direção ao 12º botão da fileira da esquerda, que já acho
sem o braille ao lado do quadradinho, mas outra mão, que não era a minha
esquerda, me diz que alguém já teve a mesma idéia. Esse alguém diz um
"bom dia", seguido de meu nome ou do meu time, e eu retribuo, mas no
lugar do nome boto um monossilábico grande;: bom dia ehrefk (isso tem
que parecer com qualquer nome, já que não vou me recordar mesmo). Sou
péssimo para nomes e datas de aniversário - dessas brinco que só não
esqueço a do meu irmão, gêmeo. Diz que num elevador ninguém se olha, e
pelo tempo de subida o diálogo passa pelo "com esse tempo não tem como
não ficar gripado", o genérico "acho que mais tarde chove", ou até o
"anda sumido?", respondido com um "poizé, acho que nossos horários não
andam batendo". A porta se abre e o fulano diz: até logo então, o seu
andar é o próximo. Tiro a chave do bolso, espero a porta abrir já quase
colado a ela. Agora é só esfregar novamente o tênis no tapete da minha
porta, abrí-la e tropeçar na mochila que eu mesmo deixei no caminho. Lar
doce lar, até a próxima bandeirada.

Um comentário:

  1. Oi Dudu! Parabéns pelo blog, estou me divertindo horrores com seus posts! Sou filha da Célia, sua amiga de Curitiba. Ela me contou seu "case" e eu tô admirada!! Agora tô meio sem tempo mas depois quero ler com mais atenção aos seus posts mais antigos. Parabéns por se destacar entre os seres humanos, pessoas que se tornam tão sem graça por não terem coragem, opinião e força de expressão. Até logo!

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